quarta-feira, agosto 31, 2005

A minha entrada para a escola


A minha Mãe com a idade de 18 anos


No ano da minha chegada à casa dos meus pais, faleceu um dos meus irmãos, o Francisco, que tinha 2 anos, como resultado de um surto de enterite que houve nesse ano. Todos choraram e lembro os gritos da minha mãe e da minha irmã mais velha. Vi tudo o que se passou e vi o meu irmão a morrer, ninguém se apercebendo que eu estava ao lado da cama. Quando me viram e me retiraram de lá já a minha mãe gritava muito.
Comecei a ter diurese nocturna e emagreci muito. Cheguei a subir para cima de um muro que existia lá e que dividia os terrenos do meu pai dos dos dos vizinhos, e ficar lá horas sem conta até ser encontrada noite dentro pelo barulho do choro. Nunca sabia se me tinham andado a procurar, tal era o meu desinteresse.

No ano seguinte fui para a escola, onde fui sempre uma excelente aluna. Em Abril desse ano passaram-me para a segunda classe por eu aprender muito rapidamente, e os outros meninos não me conseguirem acompanhar. Quando acabavam as aulas se não era a minha irmã a levar-me pela mão, eu ficava sem rumo e não ia para casa. Qualquer sítio servia menos a casa dos meus pais. Ficava em qualquer lado. Lembro-me de um dia a minha irmã estar doente e não ter ido para a escola e eu ter seguido um rumo diferente do que devia seguir, depois das aulas. Fui encontrada, noite dentro, a chorar, sentada no chão num canto qualquer.

Um dia em que estavam na escola a escolher crianças muito necessitadas para ir comer a sopa dos pobres, dei o meu nome e fui também, sem avisar nem nada. Quando cheguei à noite a casa dei com a minha mãe a chorar, e a dizer "dei uma filha para o mundo para andar a comer a sopa dos pobres". A verdade é que continuei a ir durante o ano todo, e bem boa era a sopa! Também davam uma colher de óleo de fígado de bacalhau e todas as outras crianças choravam, não a queriam, mas eu tomava sem problemas. Os meus companheiros de refeição eram crianças e mendigos. Podia comer-se toda a sopa que se quisesse, mas pão é que era só uma fatia.

quarta-feira, agosto 24, 2005

A angústia começou


A minha sala de aula da 2a. classe. Sou a menina sentada junto à mesa da freira.

Depois de fechada a porta da casa dos meus pais, o pânico deu lugar à angústia. Ali fiquei, sentindo-me uma estranha, um empecilho. Ocupava um lugar, um lugar mais à mesa e uma cama ocupada. Existiam já 5 irmãos que eu praticamente não conhecia. Comecei por ter pesadelos nocturnos, via fantasmas na noite, sofria em silêncio.

Eu tinha 7 anos, não estava habituada a ter tarefas, passei a ter. Fazia-o porque me mandavam e porque tinha que ser, tudo sem reclamação ou entusiasmo. Era, nesse tempo, alguém que não sabia porque estava ali, o que fazia ali. Estava habituada aos beijos, muitos, desde os criados aos da família, mas lá na casa dos meus pais não existiam beijos, excepto aqueles que iniciávamos. Como me sentia uma estranha não dava beijos a ninguém.

Vivia lá uma senhora muito rica, mas idosa, que me dava bastante atenção. Talvez fosse eu quem se aproximava dela, acho hoje que como tentativa de a imaginar minha avó. Contava-me muitas estórias, que ainda hoje conto à minha sobrinha.

Entrei para a escola com 8 anos, pois só fazia anos em Novembro e como só podia entrar com 7 anos feitos e as aulas começavam em Outubro, não me deixaram entrar antes. Fiquei um ano sem fazer nada que não fosse estar em casa. Uma das minhas distrações favoritas era estar sentada no chão a apreciar o movimento das formiguinhas. Confesso que isso ainda hoje me fascina.

Durante muito tempo não vi a minha avó, porque ela não foi a casa dos meus pais, ainda hoje não sei porquê. Nunca perguntei. No dia em que a voltei a ver, afastei-me dela e rejeitei-a. Só passado muito tempo é que a aceitei de novo e me aproximei dela.

quarta-feira, agosto 17, 2005

A dor da separação




Olá, cá estou para contar mais um pouquinho sobre mim.
A partir dos meus 6 anitos as coisas começaram a complicar para mim embora eu nada percebesse. Tinha a minha avó e o resto era paisagem. Mas não foi assim. Eu vivia com a minha avó e duas tias que eu adorava e que muito me mimavam e vivia cheia de carinho, afectos e protecção. A partir dessa idade as minhas tias casaram, uma delas a que eu mais amava, foi bastante doloroso deixar de a ter presente. Ela era muito bonita e muito boa para mim. A outra também mas eu recordo mais esta. Ela casou, foi para outra casa, deixando a de minha avó. Dentro da minha cabecinha infantil não percebi porque a minha tia se foi embora e eu e a minha avó tínhamos de ficar, mas foi o que aconteceu.
Depois foi desastroso para mim e para a minha protectora, pois a porra de uma tia, de pêlos nas pernas e barba como um homem, foi para lá para casa. O raio da mulher ( que Deus me perdoe) não nos dava paz pois passou a dar ordens á minha avó: Mãezinha faça isto Mãezinha faça aquilo, não nos dava tréguas e roubava-me a minha avó. Passei a só ter o exclusivo de noite. Na hora de dormir, aí sim, ela era minha.
Porque não nos vamos embora para a casa da tia perguntava eu à avó! O pior é que contaram ao meu pai o que se estava a passar, e logo deu bronca da pesada.
O pai foi ter com a avó para requisitar o legado dele, a filha, mas eu não queria ir com ele. Chorei muito muito, abraçada ao pescoço da minha querida e amada avó, e não fui. Ele não me levou, fiquei contente mas amedrontada. Pedia insistentemente à avó para irmos para a casa da tia pois eu temia a tia das pernas peludas e temia a decisão do meu pai.
Um dia, quando me levantei, vi a minha roupa numa mala. Perguntei-Porque está isto aqui vozinha?- ao que ela de imediato me respondeu: "Vais para a casa da tia .... Depois vou eu". Pois bem, não fiquei eufórica mas tínhamos de sair dali pois aquilo não corria bem era um martírio para a avó.
Saí pelo inicio da tarde, as duas sem palavras de mãos dadas. Eu teria 7 anos, só que alguma coisa não estava a correr bem pois o caminho não estava a ser o mesmo! Mas foi-me dito que por ali era mais perto.
Quando entramos numa rua que eu reconheci como sendo a Rua onde os meus pais e irmãos moravam, deu-se o caos eu gritei, supliquei, caí, abracei-me ao pescoço dela e fiz todas as pessoas virem à janela pelos meus gritos de dor.
Para a minha avó, uma senhora com os seus 65 anos, devia ter sido má esta situação, não sei. Muitos anos passados ainda hoje oiço e sinto os meus gritos e a minha dor... Ajudada por pessoas na rua, lá fui levada à força para a casa dos meus pais e irmãos onde me sentia uma estranha.