quarta-feira, maio 10, 2006

Como um passarinho preso na gaiola

Cheguei a Luanda num domingo à noite, por volta das 23 horas. Desembarcámos no porto de Luanda e depois de recebermos a bagagem dirigimo-nos para casa dos meus tios. As minhas primas tinham uma mesa com muitas coisas para comermos,mas eu estava perturbada pela emoção e não consegui comer nada. Nessa altura senti-me sozinha e abandonada. Quando nos recolhemos para dormir, seriam umas 4 da manhã.

O nosso bairro


Levantei-me bastante tarde, penso que por volta das 11 da manhã. Tinham-me deixado dormir, acordei por mim própria. Tudo parecia estranho, muito estranho. A casa dos meus tios ficava na Av. marginal, no bairro da Praia do Bispo, de frente para a Baía de Luanda.

Ao jantar desse primeiro dia, fiquei a saber que eu iria trabalhar no mesmo escritório onde trabalhava uma das minhas primas, que tinha acertado tudo com o patrão. Ao que parece, havia uma espécie de protecção para as pessoas que chegavam da metrópole e quem quisesse trabalhar era logo colocado, não havia falta de emprego em Luanda nessa altura. Foi um pouco violento para mim, pois não cheguei a ambientar-me a nada, foi chegar e começar a trabalhar. Eu não estava preparada, foi errado terem me colocado logo a trabalhar, sem ver nada, pois cheguei era noite alta,não vi nada daquela linda cidade. No dia seguinte, a não ser lavar umas roupas minhas, só comi e dormi, nem um pé tirei fora de casa. Quando saí foi ao terceiro dia, levada no carro da minha prima em direção ao meu posto de trabalho. Confesso que fiquei bastante assustada. Era tudo tão diferente, tão belo, mas tão assustador. Percebi que, desse eu um passo em falso, e poderia nunca mais voltaria a ver os meus pais e irmãos. Gostei de ver as pessoas de côr diferente da minha, sentia vontade de me aproximar delas, mas logo fui repreendida, porque era perigoso. Era uma rapariga inocente, não via nada de mal.

Os dias lá começavam mais cedo e acabavam também mais cedo. Às 4 horas da manhã amanhecia e às 18 horas começava a anoitecer. Os serviços começavam a laborar às 8 da manhã.

Não é fácil descrever o que senti quando vi a baixa de Luanda. Era uma cidade linda e moderna, com prédios altíssimos. Um deles, com 22 andares, tinha no cimo um anúncio ao Banco Comercial de Angola. O prédio para onde fui trabalhar, e onde funcionava também a Universidade, tinha 23 andares e, ao cimo, o anúncio ao Hotel João XXI, que ainda nem sequer tinha sido inaugurado. Ficava em frente do porto de Luanda (no largo Diogo Cão).


A marginal e lá no fundo o prédio alto era onde eu trabalhava


A empresa em que eu comecei a trabalhar era de despachante. Tinha 25 empregados, dos quais apenas 5 europeus: os dois patrões, eu, a minha prima e um gerente. A relação entre todos era muito boa, todos eram afáveis e educados comigo, com a excepção do gerente, o senhor Teixeira, que era um homem rude e grosseiro. Todos me tratavam muito bem, até o Simões, o estafeta do escritório, bom rapaz, muito atencioso, sempre pronto para nos ir buscar aqueles maravilhosos gelados na hora do lanche. Apreciava, em particular, os gelados de manga e de maracujá, macios, deliciosos (aqui nem aprecio gelados!). Recordo ainda quando alternávamos o lanche e pediamos para nos trazer pregos no pão, feitos de bifes pequeninos, que não se viam fora do pão, mas tão deliciosos e tenros, acompanhados de uma coca cola gelada! Quantas vezes já tentei fazêr aqui esses pregos, mas é pura ilusão, não consigo, de todo.

E eis que eu, uma rapariguinha vinda da província, que já tinha saído da escola há 9 anos, sem outros hábitos de leitura e de escrita que não as cartas de e para os namorados, a famosa Crónica Feminina e um romance ou outro, fui desempenhar a tarefa de copista. Não minto se vos disser que me custou muito adaptar-me à minha nova vida. Foi bastante violento para mim, em todos os aspectos, pois nem mentalmente fui preparada para essa função, foi chegar e começar. Eu, uma rapariga habituada à liberdade do campo, habituada a dormir a sesta, é assim a vida na aldeia, sem horas para nada na casa dos meus pais, passei a regime rigoroso: levantar às 7,15, almoçar às 12 horas, lanchar às 15, jantar às 18,30, ir para a cama às 21 horas, e sem terem preparação. Foi só vais, e mais nada!


O edificio da Alfandega Marítima, eu trabalhava do outro lado deste largo


Não tinha por hábito tomar café, nem pela manhã nem depois do almoço. Na casa dos meus pais ninguém tomava café, era só leite e cevada. Não será difícil, por isso, imaginar que muitas vezes adormecia sentada na secretária devido ao hábito que tinha desde sempre (dormir a sesta),e depois do almoço era fatal. Era um sono incontrolável, nem lavar a cara o atenuava. Tomar café tinha medo, pois nunca o tinha feito. Que saudades senti, Deus meu, da liberdade que até então tinha tido, das minhas cantorias, das minhas correrias campos fora. Quantas vezes chorei, sentada na casa de banho, cheia de sono, com a cara encharcada em água, contra a prisão em que me encontrava. Os tios sabiam, que eu era uma menina ingénua,sem qualquer experiência, nunca tiveram uma conversa comigo, no sentido de me preparar. Sentia-me como um pássaro dentro de uma gaiola. Mas o meu lema é desistir nunca e, sózinha, sem ajuda, tentei arranjar forma de me adaptar. Claro que foi muito duro, posso dizer-vos que achei mesmos aterrador, psicologicamente, para mim.