quarta-feira, agosto 24, 2005

A angústia começou


A minha sala de aula da 2a. classe. Sou a menina sentada junto à mesa da freira.

Depois de fechada a porta da casa dos meus pais, o pânico deu lugar à angústia. Ali fiquei, sentindo-me uma estranha, um empecilho. Ocupava um lugar, um lugar mais à mesa e uma cama ocupada. Existiam já 5 irmãos que eu praticamente não conhecia. Comecei por ter pesadelos nocturnos, via fantasmas na noite, sofria em silêncio.

Eu tinha 7 anos, não estava habituada a ter tarefas, passei a ter. Fazia-o porque me mandavam e porque tinha que ser, tudo sem reclamação ou entusiasmo. Era, nesse tempo, alguém que não sabia porque estava ali, o que fazia ali. Estava habituada aos beijos, muitos, desde os criados aos da família, mas lá na casa dos meus pais não existiam beijos, excepto aqueles que iniciávamos. Como me sentia uma estranha não dava beijos a ninguém.

Vivia lá uma senhora muito rica, mas idosa, que me dava bastante atenção. Talvez fosse eu quem se aproximava dela, acho hoje que como tentativa de a imaginar minha avó. Contava-me muitas estórias, que ainda hoje conto à minha sobrinha.

Entrei para a escola com 8 anos, pois só fazia anos em Novembro e como só podia entrar com 7 anos feitos e as aulas começavam em Outubro, não me deixaram entrar antes. Fiquei um ano sem fazer nada que não fosse estar em casa. Uma das minhas distrações favoritas era estar sentada no chão a apreciar o movimento das formiguinhas. Confesso que isso ainda hoje me fascina.

Durante muito tempo não vi a minha avó, porque ela não foi a casa dos meus pais, ainda hoje não sei porquê. Nunca perguntei. No dia em que a voltei a ver, afastei-me dela e rejeitei-a. Só passado muito tempo é que a aceitei de novo e me aproximei dela.